domingo, 13 de março de 2011

Conto: Uma História de Maria


A Maria era daquelas, coitada, que não sabem juntar b com a. Burrinha, tadinha. Nunca entrou numa escola. Sempre que começava uma conversação, invocava a Nossa Senhora. Era fatigada, meio gorda e desdentada. Cara ruim que só. Até a ponta do cabelo era amassada. Tinha ânimo nem pra levantar, preferia sentar, deitar, cochilar. E se não tinha controle, não tinha TV. Ia pra cama sem se lavar. A mulher era fã do pão-salsicha-purê. Tinha uma perna maior que a outra, não usava maquiagem. Hábitos noturnos e às vezes selvagens. Tinha tempo de sobra pra fazer nada do que precisaria. Ah Maria, quem diria...
Foi com susto que ela recebeu o convite do Nirto para casar e ir morar noutro lugar. E no mesmo susto foi que ela aceitou sem hesitar. Era o sonho da Maria conhecer o Rio. Aquelas mulheres secas feito fio, andando de biquíni pra lá e pra cá. Aqueles moços fortes e com grana, dando uma de bacana, saindo com a prancha molhados do mar. Tudo isso deixava a bichinha doidinha. Parecia que ia entrar na televisão. Mas agora ia assistir a novela fora da ficção. Maria disse sim no altar para uma vida nova. E foram, ela e o marido, para a cidade maravilhosa viver felizes para sempre.
As coisas demoraram a se acertar: foi a hora em que tudo parou de rimar. Por lá, nada de novela, nem biquínis ou pranchas. O tempo escureceu de vez. Maria descobriu que a vida é mais difícil quando tardamos a dá-la a devida importância. E que depois de sofrer é necessário ter forças para recomeçar. E recomeçaram! O casal foi chamado pra trabalhar para a dona Clarice – uma senhora separada que acabara de chegar da Europa com os filhos. Ele seria o motorista e ela, a arrumadeira. Eles ocupariam o quarto de empregados. O salário seria pouco, mas para quem nunca trabalhou já era grande coisa. O apartamento era aconchegante e bem localizado no bairro do Leme.
A patroa não tinha muitas exigências, só gostava de silêncio; talvez por estar enfrentando dificuldades afetivas e financeiras. Passava horas e horas, às vezes dias inteiros, trancada no escritório. Maria morria de curiosidade, mas continha-se. Não era direito ficar bisbilhotando as coisas da patroa. Certa vez ouviu-a gritar lá de dentro: “Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome!”, repetindo algumas vezes. A coitada pensou que a velha estivesse louca, mas nem ligou. Voltou à louça. A propósito, só Deus sabe o quanto ela sofreu pra aprender a lavar, passar, cozinhar. Mas Maria, porque Maria, superou.
A jovem estava satisfeita. Não tinha muitas pretensões. Uma das únicas coisas que desejava realmente era que o Nirto fosse um pouquinho mais forte. Não por vaidade, absolutamente. Mas para carregá-la nos braços até a praia, de madrugada, para fazerem amor. Foi o que disse certa vez à dona Clarice durante uma das muitas conversas que vinham tendo. E não é que as duas começaram amizade. A patroa sentia como se descesse do salto para trocar ideias fúteis com a empregada; e isso a fazia surpreendentemente satisfeita. Ela admirava a simplicidade da coitada com a sensibilidade de quem contempla um quadro bem pintado. E tal admiração foi crescendo e se tornando cada vez mais recíproca.
Certo dia Clarice confidenciou a Maria sua paixão por escrever. Era coisa que fazia com alegria, de noite ou de dia, bastava a ideia nascer. E em forma de reconhecimento, por não dispor de outro instrumento, a amiga propôs presentear; contando com seu consentimento, disporia de seu conhecimento para num livro a sua história contar. Maria explodia de alegria por ver sua vida voltar a rimar. Mas Clarice morrera dali alguns dias, deixando tristeza e angustia em seu lugar. O que a empregada não esperava era que a patroa ainda guardava um segredo que a consumia. Ao lerem seu testamento descobriram seu intento de deixar tudo a Maria.

Por Thiago Mena

2 comentários:

o diário de Aninha disse...

Thi.... adorei essa história.
o legal é que ela rima com tudo
XD
paarbéns!

Camila S. Lourenço disse...

Parabéns! eu sei fazer poesias, mas nem uma de minhas próprias poesias me causaram tanta empatia como a história de Maria.